Aproveitando a abertura da temporada de montarias, trago-vos um artigo que quando o publiquei na Caça & Cães de Caça há alguns anos criou algumas “azias”; um comparativo entre duas das mais emblemáticas carabinas de ação retilínea do mercado: a BLASER R8 e a MERKEL Helix.
Aqui fica “toda a verdade” sobre estas duas armas, por “alguém” que fez muitos tiros (centenas) com ambas e as utilizou em vários cenários.
Por Pedro Vitorino
Ao artigo original acrescentei alguns “updates”, fruto da atualização de gama de ambas as marcas no que diz respeito às configurações de coronha, já que na mecânica tanto a BLASER R8 como a MERKEL Helix mantêm a sua base. Poderão alguns afirmar que faltaria aqui uma carabina que, entretanto, surgiu no mercado; a BROWNING Maral. Na minha opinião o conceito BLASER/MERKEL é distinto, são carabinas de elevada modularidade (facilidade em trocar de cano e calibres) e possuem uma gama no que diz respeito às suas versões mais alargada. Aliás, tanto é distinto que são as duas carabinas alemãs que têm estado envoltas num “estado” constante de rivalidade.
Vamos começar!
Em primeiro lugar convém esclarecer que este artigo não é o resultado de um comparativo simultâneo de ambas as carabinas, mas sim de vários dias de teste com cada uma das armas temporalmente distintos, mas em situações idênticas, tanto em carreiras de tiro como em atos de caça. Em segundo, o artigo será escrito na primeira pessoa, pois a avaliação por mais objetiva que seja tem sempre, por muito pequeno que seja, um cariz pessoal baseado na experiência e modo de viver a caça que cada um terá. No entanto, julgo que foram reunidas as condições para emitir uma opinião válida, que poderá ajudar na decisão de muitos leitores. As condições de teste dificilmente seriam encontradas no nosso país por impedimentos legais e de condições técnicas (falta de instalações para tiro a alvos em movimento). Encontrei-as em apresentações internacionais, junto com outros membros dos mais importantes órgãos de comunicação especializada do mundo, onde os produtos são disponibilizados aos jornalistas para livre avaliação dos mesmos.
Tive oportunidade de fazer com ambas as carabinas mais de 500 tiros, tanto em instalações de tiro (carreira de tiro e shooting cinema – com munição real de caça) como em ações de caça em vários países da Europa. As condições de terreno e climatéricas foram replicadas e os calibres disparados diversos. No shooting cinema podemos recriar as clássicas situações de montaria, com javalis e veados em corrida, perseguidos por cães, a exigir tiros rápidos e a correr a mão, sempre com munição real (as mesmas com que caçamos). Na carreira de tiro avaliámos a precisão. E na caça conseguimos encontrar algumas vantagens, e defeitos, que nunca conseguiríamos sem pisar o terreno e enfrentar condições climatéricas adversas. Em ambas as carabinas estavam instaladas aparelhos óticos semelhantes (os Aimpoint Micro H1 e Hunter, principalmente) e foram utilizadas munições da mesma marca (Norma / RWS).
Julgo que estiveram reunidas todas as condições para poder construir este artigo com a melhor informação disponível para o leitor. Mesmo sem ser um comparativo (até por que o conceito – tipo de ação – das armas é diferente), poderei fazer referências comparativas entre elementos e funções idênticas entre ambas as armas que, aliás, julgo serem feitas pelo leitor que equaciona a compra de uma destas duas carabinas.
O objetivo será cumprido se após a leitura deste artigo o leitor fique a saber mais (e mais esclarecido) sobre as virtudes da BLASER R8 e MERKEL RX Helix.
Primeiro confronto; versões esquerdas
Começamos por um fator decisivo na aquisição de uma arma; há ou não versão esquerda? Na gama BLASER R8 temos a possibilidade de adquirir qualquer uma das versões, em qualquer calibre, em versão esquerda. Os atiradores esquerdinos não encontrarão a MERKEL Helix em versão esquerda, apesar de ser comentado nas apresentações essa possibilidade.
Calibres
Na quantidade de versões e calibres disponíveis a BLASER R8 não têm rival. Dos pequenos .17 e .22 Hornet ao “mata-elefantes” .500 Jeffery a lista de calibres disponíveis permite até divagar…, mesmo para os caçadores mais “esquisitos” e opinativos no que diz respeito a este capítulo. Isto em fogo central, porque até está disponível um kit para os calibres de percussão anelar .22LR, .22WMR e .17HMR. Um ponto que nos permite explorar a 100% a vantagem de desmontagem/montagem rápida da R8; podemos viajar com uma só arma para um safari de antílopes e caça grossa perigosa (búfalo, elefante…), alojando na mala da própria marca uma única coronha/fuste com, por exemplo, um cano de calibre .300 Winchester Magnum e outro de .375 H&HMagnum e respetivas óticas afinadas para cada um deles, sem necessidade de qualquer outra operação que não seja a troca de cano. Quanto às versões e calibres disponíveis na MERKEL Helix, apesar de suficientes, a escolha não é muita. Podemos adquirir a HELIX em 12 calibres diferentes; 2 mini, 7 standard e 3 magnum. Além das coronhas em madeira de diferentes graus, existem três conjuntos em polímero com outras tantas configurações.
Sob o meu ponto de vista, a maior limitação da MERKEL Helix está na ausência de pelo menos um dos grandes calibres africanos (por exemplo, o .375 H&HMag.), pois assim de nada serve ter uma carabina take down. Num safari de antílopes, búfalo e elefante ficamos limitados, pois o 9,3×62 é “curto” – e não autorizado para elefante em alguns países.
Desmontagem/montagem
A MERKEL Helix é uma verdadeira carabina take down. O processo de desmontagem e montagem não exige qualquer ferramenta e é do mais simples que se pode imaginar. Mas… e este pode ser um grande “mas” para muitos dos potenciais compradores, a montagem da mira telescópica (ou outro tipo de aparelho ótico) faz-se na ação (carcaça) e não no cano. Na realidade esta particularidade está longe de ser um problema. É assim com muitas outras carabinas take down desde há muito tempo. No entanto, para esclarecer as dúvidas existentes, a MERKEL proporcionou uma sessão de testes em que o cano era desmontado entre sessões de tiros (3 disparos em cada série com calibre 9,3×62). Apesar de se verificar a alteração do ponto de impacto, a distância entre agrupamentos nunca excedeu 8 mm, mantendo-se sempre na zona do centro do alvo. Dúvidas esclarecidas. Se trocarmos um cano de calibre standard por outro de grupo diferente, por exemplo magnum, temos de trocar também a cabeça da culatra (operação que se faz também sem ferramentas) e o carregador.
A BLASER R8 apesar de não ser uma verdadeira carabina take down – de desmontagem sem ferramentas, obriga a utilizar uma chave do tipo Allen (fornecida pela marca) para a operação de desmontagem e montagem do cano – a versatilidade e fiabilidade do sistema é único entre a concorrência. O facto de montar a mira telescópica no próprio cano (através de montagens da própria marca) torna-se uma vantagem real (e psicológica) verdadeiramente inegável. Montamos e desmontamos repetidamente o cano da nossa R8 de testes e nunca (nunca mesmo) tivemos a menor variação do ponto de impacto. Quando trocamos de grupo de calibre (por exemplo, de um .30-06 para um .270 WSM) somos obrigados – tal como em qualquer carabina de outra marca – a mudar a cabeça da culatra e o interior do carregador, operações realizadas sem qualquer dificuldade.
Mecanismos
A BLASER R8 utiliza o mesmo tipo de ação desenvolvido para a R 93 mas com diversas alterações, entre as quais a redução de dimensões (mais curta) e um novo sistema de obturação da câmara. A ergonomia do conjunto é notável. O acionamento da culatra é intuitivo, fluido e rápido, muito rápido. Contudo, a culatra ao se deslocar na nossa direção perturba a visibilidade e manutenção do alvo na mira. Este facto é inegável. A precisão dos canos Blaser já ganhou reputação nos quatro cantos do mundo. Os agrupamentos conseguidos com a R8 estão ao nível das melhores carabinas de competição – ou dos sniper mais exigentes, tendo marca feito uma arma com esta ação para esse fim. A contribuir para a notável precisão desta carabina está o mecanismo de gatilho – simplesmente perfeito. Sem arrasto, um percurso curto e uma pressão de fábrica de 750 gramas (existem outras possibilidades), este gatilho de mecanismo desmodrómico (sem recurso a mola), afasta qualquer necessidade de gatilho de cabelo para um tiro mais preciso. Em relação ao carregador amovível, podemos considerá-lo prático, pois torna mais fácil o municionamento da carabina. Por outro lado, considero um pouco preocupante ficar com o gatilho (não é o mecanismo de disparo) na mão. Aconteceu deixar cair o carregador no chão (lama) enquanto colocava as munições no mesmo. É verdade que o mesmo está bem “isolado”, não tem à vista elementos mecânicos, mas a preocupação de o limpar cuidadosamente é maior do que se tratasse de um simples e normal carregador amovível. E também é verdade que a carabina continuou a disparar sem qualquer problema. Existe uma patilha interior que fixa o carregador à arma, impedindo de inadvertidamente retirá-lo. O sistema de patilha dupla de libertação do carregador é seguro e prático de manusear.
A culatra da MERKEL Helix é o resultado de três conceitos diferentes: o mecanismo de ação linear, o curso de acionamento reduzido, e uma cabeça rotativa de seis trincos – sistema de obturação da câmara idêntico ao das tradicionais carabinas de ferrolho. Com isto a MERKEL pretende associar a rapidez de acionamento da culatra (e logicamente de tiro) à segurança de uma culatra tradicional. O facto de não vermos a culatra quando a manobramos (está “fechada” no interior da carcaça) é uma vantagem na manutenção do alvo na mira, pois a nossa visão não fica perturbada pelo movimento da culatra. A culatra tem um acionamento rápido (graças à desmultiplicação do movimento 2:1), leve mas algo prejudicado pelas dimensões reduzidas do manobrador que exige um movimento seguro e firme. A precisão de tiro é excecional, tal como seria de esperar, pois a Merkel tem excelente reputação no fabrico de canos. Nota máxima também para o gatilho, direto, de percurso curto e limpo. O peso é facilmente regulável. Com este tipo de mecanismos de disparo não sentimos qualquer necessidade do gatilho de cabelo. O carregador amovível é do tipo monofilar, e extraído da arma pressionando as duas patilhas de libertação em simultâneo.
Avaliação final
A BLASER R8 é uma excelente carabina de caça (e de tiro desportivo, como tem provado a sua utilização em inúmeras competições). A versatilidade e vantagens associadas à sua desmontagem e disponibilidade de calibres tornam-na numa das melhores opções para o caçador viajante. Os canos e funcionamento exemplar do mecanismo de disparo fazem da R8 uma das carabinas mais precisas do mercado. E por fim, a fiabilidade desta arma está mais que provada pela senda de sucesso da R 93. Fiz muitos tiros com a R8 no túnel de tiro e no shooting cinema, com uma cadência e quantidade de balas disparadas impensáveis de concretizar mesmo pelos caçadores mais ativos (e sortudos nas montarias). Além disso, cacei com a R8 à chuva, com neve, ao frio… e nunca tive qualquer problema. A rapidez de repetição do tiro para a caça de batida é mais que suficiente para qualquer caçador (quem quiser disparar mais rápido tem de optar por uma semiautomática ou express). A ergonomia da carabina é perfeita – principalmente com a mais recente versão Ultimate – e isso ajuda-nos a ganhar rapidamente confiança, e este é um dos pontos-chave para termos sucesso com uma arma de caça.
A MERKEL Helix é uma carabina bem idealizada, tanto no conceito da culatra e seus mecanismos, como no aspeto funcional da arma, muito curta e compacta. Tal como a marca pretendia, excelente para tiros rápidos na caça de batida. Experimentei a Helix nos calibres .30-06, 8x57JS e 9,3×62, e ainda nos Magnum 300 e 338. Mesmo neste último calibre, um pouco mais forte, o recuo sentido não perturba a rapidez de repetição do tiro, revelando uma ergonomia acertada do conjunto coronha/ação.
As mais de 200 balas gastas (em duas apresentações diferentes) no shooting cinema atestaram a fiabilidade da arma e a cadência de tiro alcançada a validade do mecanismo de culatra, muito rápida de acionar. Convém lembrar que neste ambiente (shooting cinema) as armas sofrem bastante, já que a cadência de tiro e quantidade de munições gastas é verdadeiramente impressionante. No entanto, o teste no terreno também deve ser feito. E por sorte do destino cacei com a Helix desde o círculo Polar Ártico às florestas dos Cárpatos. Nunca – nunca mesmo – tive um “encravanço”. Acreditem!
Mais e menos!
BLASER R8
+ Disponibilidade de calibres e versões
+ Acionamento da culatra rápido e fluido
+ Mira ótica montada no cano
+ Gatilho com opções de peso
+ Leve e ergonómica
– “Bloco” sobresselente de carregador/gatilho dispendioso
MERKEL Helix
+ Culatra “fechada” na carcaça
+ Sistema de desmontagem/montagem
– Calibres e versões disponíveis limitadas
https://www.merkel.de/en/