HK P7
Uma Pistola Genial
Um muito interessante artigo de Óscar Cardoso – autor de várias publicações dedicadas a armas, que dispensa apresentações –, publicado na edição de Armas & Tiro 2014 (Editorial Grupo V), que nos diz TUDO sobre a HK P7, com muita história sobre esta icónica pistola.
A Origem
No final da Segunda Grande Guerra as forças aliadas que ocuparam a Alemanha desmantelaram a famosa “Mauser Werke A.G.” em Oberndorf, destruindo a fábrica e todos os seus registos. Foi um acto de vandalismo histórico que deu orígem a que se perdessem irreversivelmente conhecimentos importantes e técnicas muito avançadas existentes numa das mais notáveis fábricas de armamento do mundo de então. Todavia, três engenheiros da casa (Edmund Heckler, Theodor Koch e Alex Seidel), com algum material que lograram salvar, iniciaram uma firma para fabrico de ferramentas, maquinaria de precisão e bicicletas.
Nos anos 50, depois de levantadas as proibições a que a Alemanha foi sujeita, a firma, com a denominação de Heckler & Koch GmbH, dedicou-se à produção de armamento de alta tecnologia para defesa, polícia, caça e desporto.
A espingarda “Gewehr 3” (G3) e a metralhadora HK 21, com que lutamos na Guerra do Ultramar, são produtos da empresa Heckler & Koch que, como sempre, demostraram grande qualidade, duração e fiabilidade.
As pistolas H & K P7
Depois do massacre nas Olimpíadas de Munique, em 1972, a Polícia da República Federal Alemã, perante as circunstâncias, considerou necessária a adopção de uma pistola de tecnologia avançada, em cal. 9 mm Parabellum, para substituição da pistola regulamentar de cal. 7,65 mm Browning.
Após concurso foi selecionada uma arma produzida na Heckler & Koch, oficialmente designada, em 1976, sob a sigla de PSP (Polizei Selbstlade Pistole). Esta pistola podia ter uma bala na câmara, sendo absolutamente segura, e estar pronta a entrar em acção em tempo recorde. Em 1979 começa a produção em série da pistola em causa, agora sob a designação de ”P7”. Devido ao sucesso alcançado, estas armas foram adoptadas regulamentarmente por vários países como a Coreia, os Emiratos Árabes, a Grécia (onde o modelo P7 M8 foi fabricado), o Luxemburgo, o México, a Noruega, o Uruguai, Singapura e o Zaire. Também, nos Estados Unidos, receberam bom acolhimento por parte de muitos elementos das Forças da Ordem e não só. Em Portugal, a nossa PJ adquiriu cerca de 200 exemplares que tiveram boa aceitação de um modo geral, bem como PSP que também adquiri-o alguns exemplares para o Corpo de Segurança Pessoal.
Variantes. Basicamente, existem 5 séries de pistolas P7:
–P7M8 com carregador para 8 cartuchos em 9 mm “Parabellum, com travamento por inércia retardada. (A P7 passa a ser designada por P7M8 em 1984, após o lançamento da P7M13).
–P7M13 com carregador bifilar para 13 cartuchos, em 9 mm “Parabellum”, e travamento por inércia retardada.
–P7M10 com carregador bifilar para 10 cartuchos de calibre.40 S&W. Difere do M13 no peso e configuração da corrediça.
–P7K3, a mais pequena de todas, com travamento por simples inércia da culatra e tensão da mola recuperadora. Dispara o 9mm Curto e pode ser facilmente convertida no calibre 7,65 mm Browning e também no calibre.22Long rifle.
–P7M7 em calibre.45 ACP com carregador para 7 cartuchos. É conhecida por a “Pistola Mistério”. Foi concebido com vista ao mercado dos E.U. Sabe-se que tem instalado um sistema sui generis de travamento hidráulico. Consta que se produziram muito poucas, umas 6, e que podem nunca ter ultrapassado a fase experimental.
Baseadas na concepção P7 foram construídas mais algumas variantes destinadas a Unidades Especiais de Combate ao Terrorismo e para outros fins.
Para comemorar os 25 anos de produção da P7, a casa Heckler & Koch fabricou o modelo P7/M8 “Jubilee”, em estojo de madeira especial com o nome do seu criador – Helmut Weldle – gravado na corrediça com a inscrição “1 von 500” (1 em 500). Neste caso podem ter-se inspirado na técnica publicitária usada, um século atrás, por Olivier Winchester, quando este lançou as Winchester modelo 1873 “One of One Thousand”.
Funcionamento da P7M8 e da P7M13
Helmut Weldle, engenheiro pela Universidade de Freiburg, ele próprio dedicado atirador, concebeu uma pistola original que foi fabricada com os melhores materiais e com excelente acabamento.
Funciona pelo sistema de inércia retardada, com tomada de gases num ponto da base da câmara do cano, que é fixo. Após o disparo, os gases actuam num êmbolo que contraria a abertura da corrediça enquanto o projéctil se desloca dentro do cano. A câmara tem 18 caneluras longitudinais que se destinam a facilitar a extracção do invólucro por influência da circulação dos gases da pólvora. O modo de inércia retardada reduz substancialmente o recuo sensível.
O percutor só arma quando a pistola é empunhada.
A pistola pode ser usada sem carregador, tiro a tiro, o que é uma vantagem no caso de desvio ou perda deste componente.
Características
Na parte anterior do punho, que faz com a corrediça um ângulo de 110 graus, existe uma patilha que tem a função de armar o percutor quando premida pelos 3 dedos da mão do atirador, no acto do tiro, com um esforço conjunto de 1,5 Kg. Esta característica induz a uma empunhadura correcta. A patilha, quando largada, desarma o percutor ficando a pistola em total segurança, mesmo que caia ao chão com cartucho na câmara. O gatilho é excelente e mantém a regularidade de pressão (1,6 Kg), com uma folga de 2,5 mm. O eixo da corrediça, extremamente baixo em relação ao antebraço do atirador, aliado ao sistema de inércia retardada, faz com que o salto da pistola seja muito reduzido, com fraco recuo sensível; mesmo em fogo rápido, tornando a arma fácil de controlar. A precisão da pistola é notável para armas deste tipo. Conseguem-se grupos inferiores a 4 cm, a 25 m, com a arma apoiada. O sistema de miras, com 3 pontos de referência, é de fácil “aquisição” e alinhamento, mesmo com fraca luminosidade. A arma é ambidextra, compacta e de desmontagem muito fácil. Nos modelos mais recentes, o percutor é desmontável à mão sem auxílio de qualquer ferramenta, o que permite desactivar a pistola sem dificuldade.
O cano é estriado pelo mais avançado processo de martelagem. As estrias são do sistema poligonal. Este processo não é uma novidade. Surge em meados do século XIX, com Joseph Whitworth e tem vindo a ser aperfeiçoado e adoptado por várias marcas de reputação, entre elas a Heckler & Koch. Tem como vantagens a maior duração do cano, a menor deformação do projéctil, a melhor vedação dos gases, a menor acumulação de resíduos dos projécteis e a facilidade de limpeza.
As pistolas P7 são protegidas da corrosão por processos modernos de oxidação química ou por niquelagem. São fornecidas num estojo com uma vareta e um escovilhão especial que se destinam à limpeza do sistema de tomada de gases. As pistolas desmontam-se muito fácilmente e não exigem cuidados de lubrificação fora do normal.
Especificações das duas P7 mais representativas:
Designação | P7M8 | P7M13 |
Calibre | 9 mm Parabellum | 9 mm Parabellum |
Funcionamento | Inércia retardada | Inércia retardada |
Miras | Alça regulável | Alça regulável |
Carregador | 8 cartuchos | 13 cartuchos |
Peso carregada | 960 g | 1,13 Kg |
Comprimento Total | 171 mm | 175 mm |
Comprimento do cano | 105 mm | 105 mm |
Altura da arma | 129 mm | 135 mm |
Largura da arma | 29 mm | 33 mm |
Considerações
Na década de 80, o ANC da África do Sul enveredou pela actividade terrorista nas áreas suburbanas onde viviam brancos. Assaltavam os “plots” (quintinhas) violando e assassinando os seus moradores, roubando e destruindo tudo o que lhes viesse às mãos. Os assaltos eram normalmente feitos durante o dia e incidiam sobre mulheres e crianças, quando os chefes de Família se encontravam ausentes. Isto deu orígem a que as Escolas de Tiro e os armeiros tivessem uma enorme procura.
A Força Aérea da África do Sul decidiu ministrar Cursos de Tiro, às Famílias dos seus membros que pudessem estar interessados. Assim tivemos uma grande afluência de instruendos de todas as idades e de ambos os sexos.
Os cursos eram ministrados dentro das normas IPSC, adaptados à situação, com as pistolas regulamentares da Força Aérea: Browning HP, Beretta 92 SB e Glock 17, todas em calibre 9 mm Parabellum. Este calibre foi eleito por nós como aquele que melhor conciliava todos os factores considerados necessários para a defesa pessoal. Para além destas armas, a Unidade de Treino de Tiro de Combate e Protecção a Altas Individualidades, que eu comandava, tinha Heckler & Koch, Sig Sauer e várias outras. Também os instruendos podiam trazer as suas próprias pistolas ou revólveres, desde que compatíveis. Os cursos duravam uma semana e consumia-se uma média de 1.000 cartuchos por aluno.
Conclusões
Relativamente ao funcionamento e eficiência, as P7M8 e P7M13, competiram favoravelmente com as melhores pistolas da Nova Geração.
-Como medida de precaução, insistia-se em que, ao sacar e ao repor a arma no coldre, se deveria manter o dedo fora do gatilho e ao longo do guarda-mato o que, aliás, é um dos 10 mandamentos de Segurança reconhecidos internacionalmente.
– Dado o seu reduzido tamanho, tendo em consideração o calibre, eram as armas que as alunas preferiam para trazer nas carteiras embora se lhes explicasse tratar-se de um procedimento errado no aspecto de Segurança.
-A experiencia demonstrou que eram a melhor solução para quem tinha as mãos pequenas ou dificuldade em atirar com armas grandes.
-Durante a condução do automóvel, adaptavam-se muito bem à colocação entre uma das coxas do condutor e o assento do carro, para uma reacção rápida no caso de assalto.
-No aspecto de ocultação eram as que melhor se acomodavam para quem, fardado ou à civil, não quisesse dar a conhecer que estava armado. Eram as armas ideais, devido à parca largura, para trazer em coldres tipo “waistband” (cós das calças ou da saia).
-No que diz respeito a rapidez de reacção apenas tiveram como rival a pistola Glock.
-Considerada a novidade do sistema de armação do percutor ser, simultaneamente, uma segurança no punho, a arma carece de uma instrução de manejo um pouco diferente da rotineira.
-Pelo facto da patilha de armação do percutor ter uma certa semelhança com o objecto de escritório chamado agrafador, estas pistolas foram afectuosamente alcunhadas de “stapler pistols” na gíria dos praticantes de Tiro Prático anglo–saxónicos.
-Porque a pistola tem um orifício para tomada de gases no cano, foi sugerida a abstenção do uso de balas de chumbo ou de projécteis recarregados com este metal. As raspas do chumbo podem, ocasionalmente, obstruir o sistema de travamento .
-Algumas alunas experimentaram dificuldade em puxar a corrediça à retaguarda, para introdução de um cartucho na câmara, devido à tensão forte da mola recuperadora.
Foi-lhes ensinada a técnica da palma da mão esquerda sobre a corrediça, empurrando esta para a direita, com o polegar e indicador, mantendo o cotovelo esquerdo bem alto por razões de Segurança. As atiradoras esquerdinas procediam inversamente.
– A pistola teve boa aceitação geral excepto por aqueles (muito poucos) que, descurando a defesa pessoal, estavam mais interessados em impressionar os amigos e vizinhos. Para estes casos aconselhávamos a aquisição de qualquer pistola, desde que grande e cromada.
-O Chefe do Estado Maior General da Força Aérea, ele próprio um atirador de elite e veterano piloto da Guerra da Coreia, havia adoptado a P7M13 como a sua pistola para todas as situações. O Sargento-Ajudante da minha unidade também não queria outra arma, ou não fosse ele um impenitente alemão.
Só o comandante da Unidade de Tiro de Combate, hoje de idade muito avançada, nunca se refez das três grandes paixões da sua vida: Luger, Browning High Power e Glock.
Com tudo isto, numa coisa estávamos os três de acordo: A Heckler & Koch P7 era mesmo uma pistola genial. E continua a ser.