Raramente tenho oportunidade de testar armas exclusivamente dedicadas ao mercado militar. Mas por vezes, estando no lugar certo no momento certo, essa oportunidade surge. Foi o que se passou, já há alguns anos, com a HAENEL RS8.
A Haenel foi fundada em Suhl, na Turíngia, uma província do leste da Alemanha, em 1840 por Carl Gottlieb Haenel. Suhl, é desde o século XV, um importante centro metalúrgico e de fabrico de armas da Prússia. Nomes célebres como Simson, JP Sauer, Krieghoff, e depois Merkel estabeleceram-se nas proximidades, tendo em vista a matéria prima e a presença de mão-de-obra qualificada. Desde o início que a Haenel se especializou no fabrico de armas de grande precisão, para o exército da Prússia, para a caça e para o tiro. A partir de 1886, a Haenel, inicia o fabrico de excelentes carabinas de tiro, com base na patente de Carl Wilhem Aydt e da sua culatra de bloco basculante (falling block). Após a primeira guerra mundial, Hugo Schmeisser e o seu irmão Hans entram para a Haenel. Levam com eles uma pequena pistola, de calibre 6,35. Esta será fabricada em duas versões. Desafiando a proibição de fabricar armas, feita à Alemanha, após a sua derrota em 1918, Hugo Schmeisser desenvolve a MP28 Haenel Schmeisser, uma versão melhorada e mais eficaz, da MP18 de 1918. Quer a MP38 quer a MP40 são muitas vezes chamadas de ‘’Schmeisser’’, apesar deste nada ter contribuído para a sua concepção. Após o início das hostilidades, Hugo concebe um modelo aperfeiçoado da MP40, denominando de MP41. Apenas foram produzidos 27.000 exemplares, aproximadamente. A evolução da guerra, das técnicas de combate, na frente leste, levam Waffenamt a repensar na arma do soldado de infantaria. A Haenel e Hugo Schmeisser apresentam a Mkb42(H), que seria testada em 1942, com a seu concorrente, a Walther Mkb42(W). A Haenel sai vencedora da competição. Após algumas modificações a Mkb 42 passa a MP42 e mais tarde a MP44, até se tornar na Stg 44. O nome de ‘’Sturmgewehr’’ que lhe deu ‘’o tio Adolfo’’ ainda é utilizado na definição de uma arma de infantaria, combinando a precisão da arma, a leveza da carabina e o tiro automático da metralhadora. No fim da guerra Hugo Schmeisser é levado para URSS. Muitos continuam a dizer que ele contribuiu muito na criação da AK47, apesar de Mikhail Kalasnikov afirmar o contrário, explicando: ‘’Schmeisser arrastava os pés. Os soviéticos consideravam-no um preguiçoso’’. Suhl está sob a liderança do Exército Vermelho e a Haenel torna-se na ‘’Fahrzeug und Jagdwaffen Fabrik Suhl Ernst Thälmann’’. A fábrica concentra o seu fabrico nos veículos de duas rodas, nas armas de caça e de tiro, mas sobretudo nas carabinas de ar comprimido, com modelos de culatra de repetição.
Atividade recente
Em 2008, a CG Haenel volta ao centro das atenções. A empresa é integrada na ‘’Suhl Arms Alliance’’ com a Merkel. Tem a sua sede no mesmo local da Merkel. Esta nova empresa fabrica armas de caça, carabinas de tiro a longas distâncias para uso civil ou militar e trabalha ainda em outros projectos militares. A Haenel coopera ainda com a HK. Retomou, modificou, melhorou o fabrico da carabina de caça semiautomática SLB2000 e fabrica ainda peças como o antebraço Picatinny das MR308 e MR223, bem como de outras pequenas peças.
Desde o final de 2009 que a Haenel desenvolve a carabina que nos interessa, a RS8. A RS8 é uma carabina criada para o tiro de precisão militar ou policial. É o que se chama de carabina sniper. Foi desenvolvida como sendo um sistema adaptável, capaz de responder as exigências de várias agências governamentais. A RS8 é concebida para oferecer uma extrema precisão e uma eficácia máxima, mantendo-se suficientemente compacta e fácil de transportar num ambiente de combate ou de intervenção. Como muitas das armas desenvolvidas especificamente para este tipo de missão, a RS8 utiliza um conceito muito difundido neste tipode armas; chassis/ação em liga leve de alta resistência, sob o qual se monta o cano, a coronha e fuste e os restantes acessórios. Podemos associar resta tecnologia às “rail guns” das competições de tiro a longas distâncias desenvolvidas nos E.U.A.
A RS8 está disponível com coronha fixa e coronha retrátil. Por diversas razões, como a facilidade de transporte, o objetivo é tornar a arma o mais compacta possível; é por isso a versão com coronha retrátil a mais utlizada nos ensaios operacionais que se efetuam hoje em dia. De imediato o atirador é surpreendido pelo diâmetro relativamente reduzido do cano da RS8. Uma escolha do fabricante, que aposta essencialmente na qualidade irrepreensível do metal, no fabrico e no tratamento térmico e de superfície, garantindo uma boa dissipação do calor e propriedades mecânicas dos elementos, em vez de optar por unicamente aumentar o diâmetro do cano. Esta escolha permite manter um peso razoável, o que corresponde também às regras de intervenção dos atiradores de elite. Estes especialistas raramente disparam mais de um tiro de um mesmo ponto. O aquecimento do cano acaba por ter importância secundária. Se o objetivo é fazer mais tiros, então a opção deverá recair sobre uma carabina semiautomática.
A Haenel RS8 foi originalmente prevista para dois calibres: o 7,62×51 Nato e o .300 Winchester Magnum. Atualmente a RS8 está disponível nos calibres .308 Winchester (a versão civil do 7,62×51) e .300Win.Mag. A escolha deste último pode parecer surpreendente, mas temos de nos recordar que o exército alemão utiliza as carabinas Accuracy (de fabrico norte-americano) no calibre .300Win.Mag. e que o exército americano transforma muitas das suas carabinas para este tipo de munição. Bem as Accuracy, Sako e Steyr, entre outras, a nossa RS8 é alimentada por um carregador amovível de 10 munições no calibre .308Win. e 7 munições no calibre .300Win.Mag. O chassis está preparado para receber diversos acessórios: bipés graças aos interfaces Picatinny; para a montagem de ótica a Haenel reteve uma calha Picatinny integrada no chassis, que permite uma inclinação de 20 minutos de ângulo (20 MOA). Na versão standard, sem acessórios, a Haenel RS8 calibre .300Win. Mag. pesa aproximadamente 5,6 kg, para um comprimento máximo de 1.190 mm, reduzido a 910 mm quando a coronha é recolhida. A carabina que me foi confiada foi uma das primeiras a ser fabricada, quase um protótipo. Esta RS8 serviu já para inúmeros testes com a KSK, com a GSG9, a algumas unidades policiais alemãs e austríacas.
Chassis e coronha
O chassis onde se instala toda a mecânica e acessórios é fabricado em máquinas CNC, a partir de um bloco de alumínio forjado. A ação é fabricada em forma de prisma para um ajuste perfeito, sem folgas no chassis. O conjunto recebe um tratamento térmico que o reforça e aumenta a sua resistência mecânica. A resistência à corrosão, ao desgaste por atrito do chassis de alumínio é reforçada por uma espécie de anodização em cor negra. Os valores de tolerância durante o processo de fabrico são mínimos e devidamente controlados em todas as fases. Na frente (fuste) encontramos uma calha Picatinny. Um standard adotado nos nossos dias para todas as armas deste tipo. Podemos adotar um bipé do tipo Harris. A opção Parker Hale é igualmente possível através de uma extremidade fresada no chassis. No entanto, a maioria das vezes, os ‘’operacionais’’ decidem-se pelo Harris. A traseira do chassis, em alumínio, possui um bloco maciço em aço onde se tranca a coronha rebatível. De dimensão imponente, esta tranca participa na rigidez deste conjunto coronha/chassis. Não houve qualquer necessidade de manutenção nesta RS8 desde a sua saída da fábrica, nenhum aperto nem lubrificação. A calha está equipada com anilhas para a colocação de uma bandoleira tipo biatlo.
Mecanismos
A caixa da culatra (ação) em forma de paralelepípedo é fabricada num bloco de aço da mesma qualidade do que é usado no fabrico do cano. Esta escolha é pouco frequente, cara e raramente utlizada. A Haenel fê-lo afim de reduzir ao máximo as deformações causadas pelo aumento da temperatura no momento do disparo, bem como a utilização da carabina em climas desérticos ou simplesmente alternando entre ambientes frios e quentes. A parte superior da caixa da culatra é constituída pela calha Picatinny, para a montagem da ótica. É fabricada de modo a permitir uma amplitude de afinação de 20 MOA, o que permite explorar ao máximo as configurações de várias miras telescópicas O cano é forjado a frio, por martelagem e a câmara é formada durante o mesmo processo. Uma vez terminado este processo o cano é submetido a um tratamento térmico a vácuo para diminuição de tensões do metal e enviado para Oberndorf (a uma empresa especializada) para receber um tratamento interno à base de crómio e de outros metais nobres, muito próximo dos que utilizados pela HK. Este tratamento assegura ao tubo uma maior longevidade do que um cano standard em aço inoxidável, assim como uma resistência extremamente elevada à corrosão e à erosão térmica, muito particularmente na saída da câmara. Algo que se verificou avaliando a quantidade de munições consumidas por este modelo que tivemos nas mãos (verificação com o bore scope da Hawkeye). O desenvolvimento da RS8 foi feito na Europa e são vários os especialistas que colocam esta ara no topo da pirâmide em termos de precisão com o calibre 7,62×51. A boca do cano da RS8 possui rosca para instalação de um freio de boca ou de moderador de som. É possível a desmontagem e montagem rápida do cano. As dimensões deste são 630 mm para o calibre. 300 Win.Mag. e de 600 mm para o .308Win. (está prestes a sair uma versão no calibre 6,5×47 para as modalidades desportivas de tiro de precisão, com um comprimento de 630 mm).
A culatra possui um corpo cilíndrico com 21 mm de diâmetro e uma cabeça com seis trincos. Esta cabeça é amovível – não se preocupem que é segura! A noz (parte posterior) da culatra, de grandes dimensões, reagrupa o sistema de armamento e de segurança. Uma alavanca situada sob o seu lado direito comanda as três posições de segurança. Uma parte do percussor faz uma saliência na traseira da culatra, servindo de indicador táctil e visível, útil em certas ocasiões. O manobrador da culatra é também desmontável. Dobrado em forma de cotovelo, em ângulo de 60º e posicionado à direita para um recarregar mais rápido. A unha extratora está bem dimensionada e o expulsor ativo assegura a expulsão do invólucro da munição disparada com vigor. O conjunto de ação/culatra da RS8 foram testados a pressões superiores a 8.000 bar sem consequências nefastas para a arma. O peso do gatilho pode ser afinado entre os 800 e 2.000 g. Estamos longe dos gatilhos de bench rest mas esta é uma carabina operacional. Em determinadas situações de stress, de espera em posição de tiro, um peso reduzido pode levar a um disparo fora de tempo e a consequências desagradáveis. A arma de teste foi regulada a 1.100 g, e a partida do tiro é extremamente nítida e limpa.
O punho oferece uma boa firmeza e o tiro é confortável, mesmo com o calibre .300Win.Mag. A alimentação é feita por um carregador bifilar de 7 e 10 munições para os calibres .300Win. Mag. e .308Win., respetivamente. A patilha de libertação do carregador está situada atrás do mesmo (frente do guarda-mato) e é ambidestra.
Os testes foram efetuados no sul e centro da França, em campos de tiro civis e militares. A pedido do fabricante, a limpeza foi limitada com o objetivo de determinar a resistência do cano à acumulação de resíduos e ao possível impacto que estes pudessem vir a ter na precisão. Em alguns testes, em particular no último, disparamos com a RS8 em cadência rápida e com temperatura elevada de funcionamento, de modo a verificar a regularidade do cano nestas condições. Montei na RS8 a minha velha e fiel mira telescópica Schmidt & Bender PM2 3-12×42 com retículo mil dot com retículo no primeiro plano de focagem. Esta mira telescópica já está ultrapassada mas continua a proporcionar-me boas prestações nas competições de tiro e na caça (desde que a distância de tiro não supere os 300 m). Utilizei montagens fixas: para os “especialistas” as montagens amovíveis (de saque-rápido) não mantêm o ponto de impacto.
As munições foram carregadas por mim (.300Win.Mag.), utilizando balas Lapua Scenar de 185 grains e Sierra Matchking de 220 grains em invólucros RWS e Norma, com fulminantes Federal 215 e pólvora Vitahvuori VN165 e VN570. Uma fez regulada a coronha e o bipé, rapidamente nos sentimos confortáveis com a RS8. Aliás, o que nos surpreende desde o primeiro momento que dispararmos com esta carabina é a “facilidade”. Para a primeira série de tiros o alvo foi colocado a 300 m, existindo uma ligeira brisa que apenas dava sinal nas bandeiras colocadas na carreira de tiro, e consistiu em 20 tiros disparados em 10 minutos.
Com as munições carregadas com balas Lapua Scenar obtive uma média de 935 m/s (5,10 g de VN 165), velocidade algo superior à que obtenho para a mesma carga na minha Steyr SSG04. Verifiquei mais tarde com munições Hornady Superformance com bala SST de 180 grains uma velocidade média de 955 m/s em vez dos 940 m/s anunciados pelo fabricante das munições. Pode efetuar tiros a 600 metros em alvos C200 (85×85 cm, zona negra 40 cm) e em placas de aço de 20×20 cm (que chamamos de gongs , devido ao ruído que fazem quando atingidas). No alvo C200, 17 dos 20 tiros ficaram no 10 (8 cm de diâmetro) e 9. Os restantes três alcançaram o 8 – as condições apresentavam um vento algo irregular e o cansaço do atirador também se fez notar. A Haenel RS8, principalmente depois de ser produzida no calibre 6,5×47, poderá ser u ma alternativa às carabinas Sako, Tikka, Remington ou Unique que são mais vistas nas competições de bench rest 300.
RS8 em .308Win.
Tive a ocasião de testar a RS8 em calibre .308 Winchester em túnel de tiro a 100 metros, em Suhl, e a 300 metros em Gotha, a Alemanha. nesta última situação os tiros foram efetuados em posição deitada utilizando apenas o bipé da arma. A precisão obtida foi de 10 tiros colocados numa circunferência de 5 centímetros, num dia com calor e sem vento.
Ficha técnica
Haenel RS8
Tipo: carabina de precisão para tiro a longa distância
Funcionamento: culatra de repetição manual
Caixa da culatra: aço
Calibres: .300 Win.mag. (ensaiado); .308Win.
Alimentação: carregador amovível
Comprimento do cano: 630 mm (.300Win.mag.); 600 mm (.308Win.)
Comprimento total: 1.190 mm (.300Win.mag.); 1.160 mm (.308Win.mag.)
Peso: 5,3 a 5,7 kg
Texto e fotos: Pedro Vitorino e Dominique Czermann